Saturday, August 22, 2009

Dias de infância

Aqueles dias de infância que eram o nosso tesouro... Quando chegava a casa da avó, levava já o coração cheio de mimos, que eram coisa que nunca se poupava naquela casa, e a mente cheia das aventuras que iríamos fazer.

Mal chegava e já vinha a avó, curvadinha, que só ela, de tabuleiro na mão (sim, porque a outra era para a bengala) com o leitinho, o pão e os biscoitos para a menina, e depois o mesmo para o menino, que dormia lá e tinha direito a pequeno-almoço na cama (e a menina também, claro, sempre que lá dormia), em frente aos “zanimados” (que eram os desenhos animados).

O avô acordava cedo e ia logo para a vinha, depois de um pequeno-almoço bem servido, onde colesterol era coisa que não faltava (bife, ovo estrelado...), e levava a sacola carregada de “buchas”, que não era fácil aguentar, sem alimento, a vida dura do campo. Costumava dizer de sorriso aberto, com o coração estampado nos olhos, uma adivinha da sua própria autoria: “De quem é que o avô gosta muito?”... E nós, que já conhecíamos a resposta, porque ele no-la revelara, respondíamos em coro: “da Carla e o do Ricardo!”.

E, finalmente, a tia, a completar o trio maravilha dos esbanjadores de mimos. Enrugadinha, que só ela, cruzava os anos como uma flecha, impassível à corrosão do tempo. Nem uma ruga a mais, que sempre a conheci com aquele número, e nem um pouco de genica a menos, pois nunca se fazia rogada quando os sobrinhos a convidavam a passear. Guardava em cima do armário uma caixa de biscoitos, com o zelo e o carinho com que se mantém, em segredo, uma caixa de recordações preciosas. E tudo isso só para o meu primo, nos intervalos das nossas extenuantes aventuras por cima dos muros e dos telhados vizinhos, lhe ir surripiar uns bolinhos antes da hora do almoço. “Oh, tia, vou às tuas bolachas...”, que nunca saberiam tão bem se não fossem guardadas com tanto apreço e tanta fantasia. (Às vezes nem eu sabia muito bem onde estavam as bolachas, mas o Ricardo, esse, ia direito a elas sem pensar duas vezes, cúmplice de um segredo que eu nem sempre conseguia partilhar.)

Recordo hoje, com mais veemência, a tia, porque desde ontem que já cá não está, contrariando as nossas fortes convicções de que era imortal. A tia que cuidou dos pais, dos filhos, dos netos, cruzando gerações e conquistando o coração das crianças que ajudou a criar. A tia que nos trocava os nomes todos, mas que sabia perfeitamente com quem estava a falar, e sabia a árvore genealógica melhor do que ninguém, não obstante essa pequena incorrecção dos nomes. A tia que espalhava os seus “ai, credo!”, saídos do fundo da alma, pelos cantos da casa. E que adorava passar a tarde a conversar, a perguntar, a ouvir, a dar o seu parecer sobre as nossas vidas. A tia que nos unia a todos, por estar sempre a par de tudo e chegar a todo o lado nesta família de sobrinhos.

Hoje, senti uma enorme vontade de correr de volta para esses dias de infância, inundados de sonhos, de aventuras e de fantasias. E soube, mais uma vez (porque também o soube quando a minha avó se foi) que tive a melhor infância do mundo, e que, aconteça o que acontecer, esses dias dourados jamais se irão embora, e eu posso visitá-los sempre que quiser.


Vega, aka C.V.O.

Tuesday, August 11, 2009

Saudades de um Verão que ainda não acabou

Eram dias incertos, ou por demais repetidos, dias pálidos e encobertos, languescendo esmorecidos sob cálidos bocejos do sol, indolente e mesquinho como eles. Dias que já definhavam e que deixavam para trás a promessa de um verão sem fim, com um céu azul e um mar imenso a entrarem pelas janelas de casa e dos sonhos, iludindo-os com a esperança de que, desta vez, só desta vez, como um bónus, não se iriam embora nunca.

Valia-lhe pensar que o mar continuava lá, à espera, ainda que não o pudesse ver com as janelas fechadas. E que o céu, tal como o mar, era sempre azul, ainda que de vez em quando lhe desse para a vergonha e resolvesse vestir-se de nuvens.


Vega, aka C.V.O.