Wednesday, July 03, 2013

Histórias que fazem lenda

Aquele sorriso rasgado, sempre de lés a lés, onde cabiam todas as histórias de amor e de vida e de trabalho de sol a sol. Aquele sorriso que era tão grande por abarcar toda a verdade deste mundo e do outro, dissolvendo com o seu raiar qualquer menos bem-intencionada insinuação alheia. Sorriso simples de homem simples, genuíno e transparente que só ele, capaz de envergonhar (na minha cabeça) a pequenez de todas as pessoas arrogantes e pretensiosas deste mundo.

É assim que o vou recordar, de sorriso escancarado, tanto faz que fosse sentado à porta de casa, com a adivinha do costume (“de quem é que o avô gosta muito?”, resposta: “da Carla e do Ricardo!”), ou à mesa, depois de uma bela refeição (mas lamentando sempre o fastio que era sinal de doença), com os “remédios” tomados a rigor de acordo com a prescrição médica (aquele antes do almoço, estes ao almoço, e outros tantos depois do almoço), ou em cima do tractor (que eu já conhecia à distância pelo barulho, essa banda sonora das minhas histórias de infância), ou ainda, na vinha, de adubo às costas, com a alegria confiante de que, aquele ano, é que ia ser uma boa colheita, ou mesmo quando, em qualquer lado, criticava os netos pelas “modernices” que o conservadorismo nato não lhe permitia acompanhar (“calças rotas?!, o avô não gosta nada de calças rotas!”, “vais sair assim toda nua, filha, de barriga à mostra?, o avô não gosta nada de mulheres nuas!”, “ah Ricardo essas calças pelas pernas abaixo, onde é que já se viu um engenheiro andar com umas calças dessas?!”).

Não deixa de ser irónico que, mal-grado tanta estima e tanto cuidado com a saúde, não te tivesses aguentado mais uns anos. Sempre pensei que chegasses aos cem, ou até mais… Na verdade, tinha cá para mim que irias durar sempre, e que ainda “ficavas para semente”, como costumávamos dizer. É difícil imaginar um mundo em que já cá não estás, quando a tua presença era tão forte e o teu carisma incendiava todas as pessoas à tua volta, que não te deixavam sossegar, nem quando querias dormir a sesta (mesmo com o boné por cima dos olhos, a indicar que não estavas para conversas): sempre a meterem-se contigo, a espicaçar, e a levarem em troca a graça da tua resposta e o teu sorriso incomparável.

Hoje o dia acordou diferente, mas o teu legado ficou, como uma lenda… que não se vai esgotar nas histórias da personagem que eras e no teu sorriso aberto de par em par.


Vega, aka C.V.O.