Sunday, August 25, 2013

Palavras de sangue

Era uma vez um coração triste, sem dono, que vivia sozinho com ele mesmo, coração sem pele para se proteger e, como tal, sujeito como ninguém às mazelas do caminho… Coração ferido já muitas vezes, arranhado, pisado, cravejado de hematomas e habituado a colar-se a si próprio com pedacinhos de fita-cola. Mas, pobre coração que, apesar de tudo, nunca mais aprende a escolher caminho sem pedras, caminho liso e fácil de percorrer e que, ao invés disso, como que a desafiar a sorte, segue sempre pela estrada mais complicada, cheia de silvas e pedregulhos, curvas e contracurvas sem qualquer visibilidade e que, oh não!, como já seria de esperar vai  terminar em beco sem saída. Coração a sangrar, partido ao meio e sem forças para se colar é encontrado desolado no beco sem saída e levado em maca para o posto de socorro mais próximo. Uma vez lá chegado, reúne as poucas forças que tem para falar e diz, com os olhos raiados de lágrimas:

- Muito obrigado pela vossa ajuda, mas antes que tratem de mim preciso de fazer uma coisa urgente...

- Urgente? - responderam os outros  - mas tu estás partido ao meio, o que pode ser mais urgente do que colar os teus dois pedaços?

Mas o coração já nada ouvia do que os outros diziam, ele sabia que urgente, urgente, era estancar a sua hemorragia interna, e por isso corria, corria, e à medida que corria o sangue jorrava, jorrava, e ele cada vez mais leve, mais leve, ia sujando as mãos do sangue que caía, com um propósito… E quando já estava tão leve que as suas poucas forças lhe permitiram saltar, ele saltou, bem alto, bem longe, e escreveu em todas as nuvens que encontrou, e também nos pedaços azuis do céu, com o sangue que trazia nas mãos: “Boa sorte!”

E nisto, voltou ao posto de socorro, e disse:

- Agora já me podem tratar. A minha hemorragia interna acalmou e em breve vai parar. Já me podem colar os pedacinhos da pele que não tenho… 

Vega, aka C.V.O.