Aquele sorriso rasgado, sempre de
lés a lés, onde cabiam todas as histórias de amor e de vida e de trabalho de
sol a sol. Aquele sorriso que era tão grande por abarcar toda a verdade deste
mundo e do outro, dissolvendo com o seu raiar qualquer menos bem-intencionada insinuação
alheia. Sorriso simples de homem simples, genuíno e transparente que só ele,
capaz de envergonhar (na minha cabeça) a pequenez de todas as pessoas
arrogantes e pretensiosas deste mundo.
É assim que o vou recordar, de
sorriso escancarado, tanto faz que fosse sentado à porta de casa, com a
adivinha do costume (“de quem é que o avô gosta muito?”, resposta: “da Carla e
do Ricardo!”), ou à mesa, depois de uma bela refeição (mas lamentando sempre o fastio
que era sinal de doença), com os “remédios” tomados a rigor de acordo com a
prescrição médica (aquele antes do almoço, estes ao almoço, e outros tantos
depois do almoço), ou em cima do tractor (que eu já conhecia à distância pelo
barulho, essa banda sonora das minhas histórias de infância), ou ainda, na
vinha, de adubo às costas, com a alegria confiante de que, aquele ano, é que ia
ser uma boa colheita, ou mesmo quando, em qualquer lado, criticava os netos
pelas “modernices” que o conservadorismo nato não lhe permitia acompanhar (“calças
rotas?!, o avô não gosta nada de calças rotas!”, “vais sair assim toda nua,
filha, de barriga à mostra?, o avô não gosta nada de mulheres nuas!”, “ah Ricardo
essas calças pelas pernas abaixo, onde é que já se viu um engenheiro andar com
umas calças dessas?!”).
Não deixa de ser irónico que,
mal-grado tanta estima e tanto cuidado com a saúde, não te tivesses aguentado mais
uns anos. Sempre pensei que chegasses aos cem, ou até mais… Na verdade, tinha
cá para mim que irias durar para sempre, e que ainda “ficavas para semente”, como
costumávamos dizer. É difícil imaginar um mundo em que já cá não estás, quando
a tua presença era tão forte e o teu carisma incendiava todas as pessoas à
tua volta, que não te deixavam sossegar, nem quando querias dormir a sesta (mesmo
com o boné por cima dos olhos, a indicar que não estavas para conversas): sempre
a meterem-se contigo, a espicaçar, e a levarem em troca a graça da tua resposta
e o teu sorriso incomparável.
Hoje o dia acordou diferente, mas
o teu legado ficou, como uma lenda… que não se vai esgotar nas histórias da
personagem que eras e no teu sorriso aberto de par em par.
Vega, aka C.V.O.