Era uma vez um coração triste, sem dono, que vivia sozinho
com ele mesmo, coração sem pele para se proteger e, como tal, sujeito como ninguém
às mazelas do caminho… Coração ferido já muitas vezes, arranhado, pisado,
cravejado de hematomas e habituado a colar-se a si próprio com pedacinhos de
fita-cola. Mas, pobre coração que, apesar de tudo, nunca mais aprende a
escolher caminho sem pedras, caminho liso e fácil de percorrer e que, ao invés disso, como que a desafiar a sorte, segue sempre pela estrada mais complicada, cheia
de silvas e pedregulhos, curvas e contracurvas sem qualquer visibilidade e que,
oh não!, como já seria de esperar vai terminar
em beco sem saída. Coração a sangrar,
partido ao meio e sem forças para se colar é encontrado desolado no beco sem
saída e levado em maca para o posto de socorro mais próximo. Uma vez lá
chegado, reúne as poucas forças que tem para falar e diz, com os olhos raiados
de lágrimas:
- Muito obrigado pela
vossa ajuda, mas antes que tratem de mim preciso de fazer uma coisa urgente...
- Urgente? - responderam os outros - mas tu estás partido ao meio, o que pode ser
mais urgente do que colar os teus dois pedaços?
Mas o coração já nada ouvia do que os outros diziam, ele
sabia que urgente, urgente, era estancar a sua hemorragia interna, e por isso corria,
corria, e à medida que corria o sangue jorrava, jorrava, e ele cada vez mais
leve, mais leve, ia sujando as mãos do sangue que caía, com um propósito… E
quando já estava tão leve que as suas poucas forças lhe permitiram saltar, ele
saltou, bem alto, bem longe, e escreveu em todas as nuvens que encontrou, e
também nos pedaços azuis do céu, com o sangue que trazia nas mãos: “Boa sorte!”
E nisto, voltou ao posto de socorro, e disse:
- Agora já me podem tratar. A minha hemorragia interna
acalmou e em breve vai parar. Já me podem colar os pedacinhos da pele que não
tenho…
Vega, aka C.V.O.