Friday, December 13, 2013

OIhos tristes

Triste, porque tristes são os meus dias
Embora com capa de risos
E flores para enfeitar.
Olhos que choram, indecisos
Mas continuam a falar
Como se diferença fizesse
O que possam dizer ou pensar.

Neste mundo surdo e oco
Quem sente e chora é louco
Para os loucos não há lugar
Os lugares estão preenchidos
E os meus olhos excluídos
Deste mundo descartável.
Olhos tristes, ressentidos
Cresceram a acreditar
Num mundo inefável.
A cada dia desiludidos
Não têm onde fitar
Olhos vazios, abatidos
Já nem se concedem sonhar.

Vega, aka C.V.O.

Sunday, August 25, 2013

Palavras de sangue

Era uma vez um coração triste, sem dono, que vivia sozinho com ele mesmo, coração sem pele para se proteger e, como tal, sujeito como ninguém às mazelas do caminho… Coração ferido já muitas vezes, arranhado, pisado, cravejado de hematomas e habituado a colar-se a si próprio com pedacinhos de fita-cola. Mas, pobre coração que, apesar de tudo, nunca mais aprende a escolher caminho sem pedras, caminho liso e fácil de percorrer e que, ao invés disso, como que a desafiar a sorte, segue sempre pela estrada mais complicada, cheia de silvas e pedregulhos, curvas e contracurvas sem qualquer visibilidade e que, oh não!, como já seria de esperar vai  terminar em beco sem saída. Coração a sangrar, partido ao meio e sem forças para se colar é encontrado desolado no beco sem saída e levado em maca para o posto de socorro mais próximo. Uma vez lá chegado, reúne as poucas forças que tem para falar e diz, com os olhos raiados de lágrimas:

- Muito obrigado pela vossa ajuda, mas antes que tratem de mim preciso de fazer uma coisa urgente...

- Urgente? - responderam os outros  - mas tu estás partido ao meio, o que pode ser mais urgente do que colar os teus dois pedaços?

Mas o coração já nada ouvia do que os outros diziam, ele sabia que urgente, urgente, era estancar a sua hemorragia interna, e por isso corria, corria, e à medida que corria o sangue jorrava, jorrava, e ele cada vez mais leve, mais leve, ia sujando as mãos do sangue que caía, com um propósito… E quando já estava tão leve que as suas poucas forças lhe permitiram saltar, ele saltou, bem alto, bem longe, e escreveu em todas as nuvens que encontrou, e também nos pedaços azuis do céu, com o sangue que trazia nas mãos: “Boa sorte!”

E nisto, voltou ao posto de socorro, e disse:

- Agora já me podem tratar. A minha hemorragia interna acalmou e em breve vai parar. Já me podem colar os pedacinhos da pele que não tenho… 

Vega, aka C.V.O.

Wednesday, July 03, 2013

Histórias que fazem lenda

Aquele sorriso rasgado, sempre de lés a lés, onde cabiam todas as histórias de amor e de vida e de trabalho de sol a sol. Aquele sorriso que era tão grande por abarcar toda a verdade deste mundo e do outro, dissolvendo com o seu raiar qualquer menos bem-intencionada insinuação alheia. Sorriso simples de homem simples, genuíno e transparente que só ele, capaz de envergonhar (na minha cabeça) a pequenez de todas as pessoas arrogantes e pretensiosas deste mundo.

É assim que o vou recordar, de sorriso escancarado, tanto faz que fosse sentado à porta de casa, com a adivinha do costume (“de quem é que o avô gosta muito?”, resposta: “da Carla e do Ricardo!”), ou à mesa, depois de uma bela refeição (mas lamentando sempre o fastio que era sinal de doença), com os “remédios” tomados a rigor de acordo com a prescrição médica (aquele antes do almoço, estes ao almoço, e outros tantos depois do almoço), ou em cima do tractor (que eu já conhecia à distância pelo barulho, essa banda sonora das minhas histórias de infância), ou ainda, na vinha, de adubo às costas, com a alegria confiante de que, aquele ano, é que ia ser uma boa colheita, ou mesmo quando, em qualquer lado, criticava os netos pelas “modernices” que o conservadorismo nato não lhe permitia acompanhar (“calças rotas?!, o avô não gosta nada de calças rotas!”, “vais sair assim toda nua, filha, de barriga à mostra?, o avô não gosta nada de mulheres nuas!”, “ah Ricardo essas calças pelas pernas abaixo, onde é que já se viu um engenheiro andar com umas calças dessas?!”).

Não deixa de ser irónico que, mal-grado tanta estima e tanto cuidado com a saúde, não te tivesses aguentado mais uns anos. Sempre pensei que chegasses aos cem, ou até mais… Na verdade, tinha cá para mim que irias durar para sempre, e que ainda “ficavas para semente”, como costumávamos dizer. É difícil imaginar um mundo em que já cá não estás, quando a tua presença era tão forte e o teu carisma incendiava todas as pessoas à tua volta, que não te deixavam sossegar, nem quando querias dormir a sesta (mesmo com o boné por cima dos olhos, a indicar que não estavas para conversas): sempre a meterem-se contigo, a espicaçar, e a levarem em troca a graça da tua resposta e o teu sorriso incomparável.

Hoje o dia acordou diferente, mas o teu legado ficou, como uma lenda… que não se vai esgotar nas histórias da personagem que eras e no teu sorriso aberto de par em par.


Vega, aka C.V.O.

Saturday, May 25, 2013

Sonho frágil

Tenho sonhos negros, escuros como carvão, obstinados como uma flecha em estilhaçar os sonhos que tenho durante o dia. Sonhos claros, luminosos e frágeis que tenho durante o dia, como uma bola de cristal a reflectir a luz do sol. Acordo em estilhaços, destruída pelos sonhos da noite, os sonhos de dia em fragmentos dispersos por entre os lençóis, escoriações várias provocadas por esses pedacinhos cortantes e, pior que tudo, o coração esmigalhado, sem integridade nem forças para continuar a bater…

Levanto-me devagarinho e, com muito cuidado para evitar os estilhaços, vou à casa-de-banho tratar das escoriações. Depois, regresso ao quarto, começo a reunir os pedacinhos dispersos e, um a um, colo-os tentando manter a ordem inicial, como se de peças de um “puzzle” se tratassem. Até que, por fim, volto a ter nas mãos a bola de cristal intacta dos meus sonhos de dia, resplandecente como na véspera, embora cada vez mais frágil, pois a cola que reúne os pedacinhos, já se sabe, por mais potente que seja, não é mágica…

Mas o que importa é que tenho de novo o meu sonho nas mãos, e gosto tanto dele que insisto em reconstruí-lo todas as manhãs, com toda a dedicação do mundo, mesmo sabendo que o sonho é frágil, cada vez mais frágil, e que, mesmo durante o dia, um mero pontapé o pode matar de vez…

Vega, aka C.V.O.

Sunday, February 10, 2013

O sonho que persegues


Nessa tua alegria imensa de quem persegue um sonho improvável (para muitos, mas não para ti!), contra todas as intempéries que parecem congeminar para ensombrar o teu horizonte, mas a que tu resistes com uma força de leão e um sorriso infinito de genuinidade que é capaz de limpar os céus, nessa tua alegria de querer o bem dos outros mesmo quando o teu mundo parece andar de pernas para o ar, este mundo em que vives e que não é o teu porque és demasiado bom para ele, neste exemplo que és para todos e de que tanto me orgulho (ainda que não o imagines)… eu fico simplesmente deslumbrada.  E desejo, com todas as forças, que o teu sonho se concretize com a maior brevidade possível, porque o mereces como ninguém.

Vega, aka C.V.O.

Sunday, January 06, 2013

Quando me lembrar de um título escrevo


Domingo de manhã, o sol tímido e inseguro para lá da cortina de nevoeiro que caía sobre a praia, com a intensidade de uma tempestade anunciada. Àquela hora o areal deserto, não fossem as gaivotas à beira-mar, pontuando de vida a linha esbatida de espuma e os raros rochedos cobertos de limos. Não havia raio de sol capaz de atravessar a espessa neblina, que se adensava a cada instante, não havia banhistas naquele mar de inverno, nem tão-pouco gente nas esplanadas (ainda não eram horas de abrir ao público) e, espantosamente, não havia sequer surfistas naquele mar de ondas perfeitas…

Por momentos pensei que me enganara nas horas, talvez fosse mesmo demasiado cedo… mas de repente tive um sobressalto, um cair em mim súbito e atordoado, que me fez perceber que estava dentro de um sonho. Nem sempre os sonhos nos levam para onde queremos e gostamos, mas desta vez o meu inconsciente não me tinha traído e levara-me para um dos meus sítios predilectos, sem se esquecer sequer do meu adorado lençol de névoa.

Nos sonhos acontecem coisas estranhas, as acções não têm sequências lógicas nem obedecem a desígnios sensatos. Pois quando voltei a cair no sonho, à minha volta era o mar, sereno e envolto em silêncio porque estava para lá da rebentação, e o meu chão era uma prancha de surf, onde eu estava sentada a olhar para longe. De repente o meu sonho tornou-se muito vívido, e lembrei-me com toda a clareza do que tinha vindo fazer ali. O meu propósito era limpar, atirando às ondas, as mágoas e angústias do passado que se agarravam ao presente como tenazes… Para que, ao olhar para ti no presente, nada me impedisse de sonhar alto e acreditar que és o maior e que, desta vez, não me vou desiludir, nunca mais.

Assim, uma a uma, comecei a despejar todas as histórias sem final feliz, todas as frases que me envenenaram e perseguiram até à exaustão, todas as horas de vida suspensa à espera que se quebrasse um silêncio… E as ondas, cada vez maiores, formavam tubos gigantes para devorarem tudo aquilo que lhes atirava, numa fúria desmedida, somando-se umas às outras sem parar e incitando-se entre si a fazerem o seu trabalho, tornando o meu presente claro e livre de medos.

E quando já nada mais havia para despejar, aí estava eu na areia, prancha ao lado, como por magia de um sonho em que os acontecimentos não se sucedem mas saltam de uns para os outros. Ondas nem vê-las, o mar transformara-se numa piscina de proporções oceânicas, numa pausa sabática para recuperar o fôlego e recomeçar a ondular. O sol despontava por entre uma névoa fina que já se começava a desvanecer. Estava na hora de acordar…

Desde então tenho-me perguntado porque é que há tanto tempo tinha este sonho para escrever e só quando te conheci tomei balanço para o fazer…

Dizem que, se pensarmos com muita força que algo nos vai acontecer, esse acontecimento, mais cedo ou mais tarde, sucederá. Assim sendo, vou pensar com todas as forças que este sonho é real e acreditar num final feliz a partir do momento em que o escrevi.

Vega, aka C.V.O.