Domingo de manhã, o sol tímido e inseguro para lá da cortina
de nevoeiro que caía sobre a praia, com a intensidade de uma tempestade
anunciada. Àquela hora o areal deserto, não fossem as gaivotas à beira-mar,
pontuando de vida a linha esbatida de espuma e os raros rochedos cobertos de
limos. Não havia raio de sol capaz de atravessar a espessa neblina, que se
adensava a cada instante, não havia banhistas naquele mar de inverno, nem
tão-pouco gente nas esplanadas (ainda não eram horas de abrir ao público) e, espantosamente,
não havia sequer surfistas naquele mar de ondas perfeitas…
Por momentos pensei que me enganara nas horas, talvez fosse
mesmo demasiado cedo… mas de repente tive um sobressalto, um cair em mim súbito
e atordoado, que me fez perceber que estava dentro de um sonho. Nem sempre os
sonhos nos levam para onde queremos e gostamos, mas desta vez o meu inconsciente
não me tinha traído e levara-me para um dos meus sítios predilectos, sem se
esquecer sequer do meu adorado lençol de névoa.
Nos sonhos acontecem
coisas estranhas, as acções não têm sequências lógicas nem obedecem a desígnios
sensatos. Pois quando voltei a cair no sonho, à minha volta era o mar, sereno e
envolto em silêncio porque estava para lá da rebentação, e o meu chão era uma
prancha de surf, onde eu estava sentada a olhar para longe. De repente o meu
sonho tornou-se muito vívido, e lembrei-me com toda a clareza do que tinha
vindo fazer ali. O meu propósito era limpar, atirando às ondas, as mágoas e
angústias do passado que se agarravam ao presente como tenazes… Para que, ao
olhar para ti no presente, nada me impedisse de sonhar alto e acreditar que és
o maior e que, desta vez, não me vou desiludir, nunca mais.
Assim, uma a uma, comecei a despejar todas as histórias sem
final feliz, todas as frases que me envenenaram e perseguiram até à exaustão, todas
as horas de vida suspensa à espera que se quebrasse um silêncio… E as ondas, cada
vez maiores, formavam tubos gigantes para devorarem tudo aquilo que lhes
atirava, numa fúria desmedida, somando-se umas às outras sem parar e incitando-se
entre si a fazerem o seu trabalho, tornando o meu presente claro e
livre de medos.
E quando já nada mais havia para despejar, aí estava eu na
areia, prancha ao lado, como por magia de um sonho em que os acontecimentos não
se sucedem mas saltam de uns para os outros. Ondas nem vê-las, o mar transformara-se
numa piscina de proporções oceânicas, numa pausa sabática para recuperar o
fôlego e recomeçar a ondular. O sol despontava por entre uma névoa fina que já se
começava a desvanecer. Estava na hora de acordar…
Desde então tenho-me perguntado porque é que há tanto tempo tinha
este sonho para escrever e só quando te conheci tomei balanço para o fazer…
Dizem que, se pensarmos com muita força que algo nos vai
acontecer, esse acontecimento, mais cedo ou mais tarde, sucederá. Assim sendo,
vou pensar com todas as forças que este sonho é real e acreditar num final
feliz a partir do momento em que o escrevi.
Vega, aka C.V.O.