Sunday, March 12, 2006

O relativismo de uma simples frase

Deveria haver um dicionário universal de sentimentos, para que as pessoas não fizessem tanta confusão nessa matéria. Considerando embora a hipótese de estar a ser preconceituosa, percorre-me um prurido interior sempre que ouço a palavra “Amo-te” soltar-se entre duas pessoas que se conhecem há semanas, ou meses (insultuosamente leve demais, se comparada à minha noção desse outro “Amo-te” que precisa de anos para nos invadir e arder nos lábios). Se neste assunto sou um tanto ou quanto preconceituosa (e é algo que também me incomoda), desculpo-me com o facto de não se ter implementado ainda uma escala de sentimentos bem definidos degrau a degrau. Assim sendo, se queremos verbalizar (oral ou mentalmente) o estado de alma em que alguém nos deixou, baseamo-nos numa escala individual e arbitrária, influenciada pela nossa experiência pessoal. Amores e desamores passados são os tijolos com que construímos esse edifício a que chamamos amor e que tomamos como referência para julgar o que nos vai na alma. Deste modo se geram mal-entendidos e se esgotam facilmente os termos para nomear o que sentimos mais acima, quando sem aviso prévio a escala nos surpreende com um degrau adicional. Para evitar uma coisa e outra, proponho uma definição do conceito em causa (poética como o é o conceito que se propõe definir), d` Estes difíceis amores de Júlio Machado Vaz:

“Eis-nos aqui. Domingo de sol, passeio junto ao mar, esses olhos azuis que o desejo nublava fitam-me transparentes, agressivos de tão risonhos, «como estás?». Como estou? E tu que achas, vendo-te assim acompanhada? Ele tem bom aspecto, sorriso franco, nada indica o ciúme de paixão mal resolvida da tua parte; sente-se seguro. Esqueceste-me. Pior!, já és minha amiga. Pronto, querida, vou ser politicamente correcto, «bem». O tempo, o amigo comum que encontraste e me acha cansado, a etiqueta, «este é o...». Que interessa o nome?, é o teu homem, «muito prazer». Ele sorri, sabe que não sinto a frase, mas compreende, afinal sou o tipo que perdeu a mulher que ele não dispensa, «muito prazer». Um silêncio constrangido entre os dois que resolves com à-vontade, «foi bom ver-te». Era necessário humilhar-me tanto? Uma vontade imensa de te abanar - «sou eu, lembras-te?, tinhas a certeza que era o amor da tua vida...» -, acorda!, ainda podemos... Os dois afastando-se, o braço dele sobre os teus ombros, o segredo ao ouvido e esse cabelo, onde me perdia, volteando ao ritmo da gargalhada. Serias incapaz da chacota a meu respeito, é outra a razão, simples e infernal – estás feliz. E uma parte de mim, ainda tímida, quase clandestina, deixa cair os braços e reconhece derrota e culpa, fica grata pelo que me deste e murmura um «boa sorte» que todo o resto do que sou fita horrorizado.
Será isto, finalmente, o amor?»

Vega, aka C.V.O.

1 comment:

Vega said...

Olá Daviduskas. Não fiz nada ao template... Quando os textos são um pouco mais extensos que o habitual, o Internet Explorer faz uma pequena avaria e remete a secção dos arquivos para o fim da página. Abrindo com o Firefox fica sempre ok.
Uma boa semana para ti também.