Sunday, November 23, 2008

Silêncios


E é assim. A vida... cheia de silêncios.
Silêncios tórridos, sufocantes, qual travessia no deserto. Silêncios coagidos, desesperados por barulho.
Silêncios que apenas são mudos por não saberem o que dizer, tempo não houve para se traçarem as linhas do que irá ser o próximo capítulo. Silêncios, pois, que costumam acompanhar a mudança.
Silêncios, por vezes, coagidos de outra maneira, quando nós próprios vedamos o acesso das palavras, concentramo-nos tanto num objectivo que elas chegam a nós e fazem ricochete, vão procurar outros que as acolham de melhor vontade. Silêncios obsessivos, idiotas, estes, que não deviam existir.
Não sei se todos temos destes silêncios. Eu tenho. E tenho-os demais.
Porque, de silêncios, não reza a história, que é como quem diz, não reza a vida, nunca serão recordados quando olharmos para trás, aí ficam eles, efectivamente, remetidos ao silêncio. Recordamos sim, à cabeça, os momentos de grande intensidade, as paixões que nos assolam com estrondo e estardalhaço, e que assim vêm salvar os silêncios, fazendo-os valer e suportar.
Eu cá gostava de ter menos silêncios, e menos duradouros. Deveria ser mais apaixonada, ou antes, de me apaixonar mais vezes. Mas acho que me tornei refractária... e agora?

Vega, aka C.V.O.

Sunday, September 21, 2008

Revelação


Fosse eu dizer o que tenho a contar

Mil páginas não bastariam
Houvesse por onde começar
E tempo para acolher
Cada frase, cada sentença.
Pior seria o alinhamento
Assim que as deixasse correr
Soltas, sem retraimento
Sem ensaio ou ponderação.
No caos dariam certamente
Toldadas de júbilo e emoção
Por serem libertas finalmente
Inteiras, sem pontuação
Sem ordem ou regra vigente.
Seriam loucas, seriam vivas
Como uma mulher apaixonada
Seriam cegas e impulsivas
Lançadas todas em rajada.
Poderiam ser duras e afirmativas
Ou vibrantes e extasiadas
Seriam sombrias, desesperadas
Ou aplacadas de esperança.
Seriam minhas, seriam eu
Lá fora, cá fora, a reinar!
Embriagadas na própria dança
Aos acordes não iriam ligar,
A cadência não iriam sentir.
Sem se importarem sequer com a música
Dançariam até cair.

Vega, aka C.V.O.

Sunday, July 13, 2008

Aterragem


Pudesse eu voar e cair em mil sítios, tantos quantos os meus desejos, sempre e quando estes mais apertassem! Sem que a minha aterragem brusca, calculada, pudesse jamais ser notada, e a minha presença natural fosse acreditada...

Vega, aka C.V.O.

Wednesday, April 23, 2008

Permanência

Para quando a demora
Em todos os portos
E não apenas a passagem
Breve, estugando a hora
Para aliviar bagagem?
Para quando o olhar atento
Sobre todos os povos
E todas as gentes, em cada paragem
Para quando o desbravamento
Para quando a ancoragem?
Para quando a urgência
De perder no caminho,
Sem urgência
De retomar a rota?
Para quando o desalinho
Dos mapas,
O abandono da frota,
O renegar das etapas,
A persistência devota?
Para quando o prazer
Não de seguir mas de ficar
Para quando permanecer?
Para quando despertar?

Vega, aka C.V.O.

Friday, April 18, 2008

Intangíveis...

Há dias, dias sem tréguas, em que as palavras me fogem desenfreadamente, como que desavindas por qualquer motivo que não consigo almejar. Grito por elas, em surdina, porque sei que não me podem ouvir e eu não quereria assustá-las. Tento apanhá-las desprevenidas, prendê-las na rede que vou lançando em bólus de energia e esperança, ao menor indício da sua passagem. Mas as minhas esperanças esmorecem ao cair da excitação que acompanha a vinda da rede sem elas. Deixo cair os braços, desfalecida, deixo a rede cair no chão. Já vi que de nada serve, com buracos grandes demais, ou palavras demasiado curtas as que andam no ar. Ou talvez a conspiração em que se meteram contra mim seja mais séria do que imaginava.

Cruzo os braços, numa atitude não de desistência, mas de impotência temporária, à espera de dias melhores, preenchidos de palavras.

E, no entanto, continuo a ouvi-las, cada vez mais. Ao longe, quase em sussurro, sopradas, maravilhosas, com toda a sensualidade inerente às coisas inalcançáveis. Cortam-me o coração de tão belas, tão límpidas, tão certeiras nas asserções que fazem quando se juntam todas, enfileiradas, parecendo conhecer-me de há longa data. E, no entanto, não lhes pego, não lhes consigo tocar, não lhes consigo fazer ver quão próximas somos, eu e elas, e como, por isso mesmo, me poderiam deixar pegar-lhes por uns instantes.

Resta-me assim continuar a ouvi-las, ainda que em surdina, no murmúrio do vento, nas bátegas de água a cair nestes dias de Abril, no calor dos raios de sol que rasgam, a intervalos, o manto nublado do céu.

E sonhar que um dia algumas delas se tornarão tangíveis, me deixarão pegar-lhes e delas fazer o que quiser.

Vega, aka C.V.O.

Sunday, January 27, 2008

Lisboa ao acordar


Bate o sol na janela, a chamar por mim. Lá fora a cidade acorda, aos poucos, emergindo lascivamente, como uma noiva, por baixo do véu soalheiro. Espreguiça-se, não quer largar a almofada, até que, ao erguer-se mais um pouco, dá de caras com a sua imagem no espelho e tem um baque no peito. Apetece-lhe gritar.
Talvez sejam os raios de sol, generosos, a espraiarem-se sobre as casas, os prédios, as estradas, os carros, o elegantíssimo Aqueduto das Águas Livres e, mais ao longe, a ponte 25 de Abril e o Cristo Rei, recortando-se sobre a última linha do horizonte.
Talvez seja a sensação de estar de novo em casa, casa!, onde crescemos ou vivemos grandes paixões. Se juntarmos ambas as coisas, ai!, a nossa casa é o nosso deslumbramento, a nossa musa inspiradora.
Não sei por que é. Mas hoje, ao ver Lisboa pela manhã, parece-me mais bonita e romântica do que nunca.
O sol bate na janela, cada vez mais forte... E o meu coração bate com a força do abraço da cidade.

Vega, aka C.V.O.
25 Janeiro 2008

Saturday, January 19, 2008

A forma dos dias

Da névoa se fazem os dias, como castelos moldados da areia informe. Nascem lentos e lentamente ganham formas definidas, pelo trabalho conjunto dos milhares de mãos que os vão esculpindo erraticamente. Crescem depressa, decididos, inflados pelo entusiasmo de os terem tornados dias, castelos. Morrem fugazes, esquecidos, sem direito a despedidas, esfumando-se simplesmente, sem deixar rasto, de regresso à névoa, areia informe.

E o mais curioso dos dias. É que só depois de morrerem. Captamos inteiramente a forma que eles tomaram.

Eles pensam que vão sem rasto... Não sabem como estão enganados!

Vega, aka C.V.O.